quarta-feira, 27 de janeiro de 2010
"As brutas feras e os peitos humanos"
Nas duas últimas semanas, temos assistido a cenas incríveis de sofrimento no Haiti, com tudo destruído, como se de um puzzle se tratasse, só que um puzzle com inúmeras peças que talvez nunca venham a encontrar a sua correspondente. Um puzzle difícil de reconstruir, quer em termos materiais como pessoais e essencialmente sentimentais. Vidas danificadas para sempre, pois os entes queridos já não mais voltarão e as lembranças dos momentos terríveis ir-se-ão manter para sempre.
Porém, apesar de ter vindo a assistir a toda essa destruição (o que, confesso, me causou um sentimento de impotência bastante grande e diferente de outras tragédias a que já assisti), o que mais me aterrorizou foi o factor animal que aí se destacou e que me levou a pensar que, de facto, o homem muito evoluiu, muitos prédios e tecnologias construiu, muita psicologia e sociologia estudou, muita inteligência desenvolveu, mas em situação de desespero tudo se esquece e tornamo-nos iguais às agressivas feras da natureza. É impressionante como em situação de crise o homem age como se fosse um mero animal, a lutar pelo seu alimento, a maltratar e a lutar com o outro por um grão de arroz. E se me assusto com tais comportamentos no Haiti, assusto-me mais por pensar que isto é comum a todos os homens e mulheres que por aí andam, que talvez sejam capazes das coisas mais escabrosas numa situação de sobrevivência. Não condeno esta luta, apenas me impressiono...
O que condeno, sim, é o aproveitamento daqueles que maltratam pela mera violência e que tentam subir na vida à custa da pobreza que lá se vive, que raptam as crianças e as condenam a vidas de sofrimento.
Tudo isto me levou, de facto, a questionar então qual é o nosso papel no mundo. Seremos nós a raça civilizada? Seremos nós uma raça superior aos leões, águias e outros predadores? Nós talvez sejamos os maiores predadores, pois até aos nossos humilhamos, maltratamos e ferimos...
Já o nosso Camões o dizia, nas palavras de Inês de Castro, que preferia estar entre as feras da natureza do que entre os homens:
"Se já nas brutas feras, cuja mente
Natura fez cruel de nascimento,
E nas aves agrestes, que somente
Nas aves de rapina tem o intento,
Com pequenas crianças viu a gente
Terem tão piadoso sentimento
Como co'a mãe de Nino já mostraram,
E c'os irmãos que Roma edificaram.
(...)
"Põe-me onde se use toda a feridade,
Entre leões e tigres, e verei
Se neles achar posso piedade
Que entre peitos humanos não achei."
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Dai que "quanto mais conheço os Homens mais goto dos caes", de qq maneira devemos sempre acreditar q abondade do Homem virá à superfície.
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